Resumos e CV's
Keynote 1 - Patrick Lantschner - The City as a Battleground: Revolts in Western Eurasia, 900-1500
Resumo: This paper analyses urban revolts during the later Middle Ages, a period in which cities were critically important political arenas at a time of intense urban growth and political fragmentation. In both Europe and the Islamic world at this time, revolts were a frequent occurrence in cities and indicators of a very lively political culture which flourished in cities. My particular focus in this paper is on the conditions under which cities could be transformed into battlegrounds as different groups vied for control of urban space, how medieval cities compared to other types of urbanism in this respect and what the long-term repercussions of medieval revolts were.
Breve CV: Patrick Lantschner é Professor Associado do Departamento de História da University College London, com diversos trabalhos focados sobretudo na área da história urbana da Europa e do mundo islâmico na Idade Média. Atualmente está concluindo um livro sobre o papel das cidades na ordem política da Eurásia Ocidental medieval tardia. É autor de The Logic of Political Conflict in the Middle Ages: Italy and the Southern Low Countries (publicado pela Oxford University Press, em 2015) e coeditor, com Maarten Prak, do volume medieval e moderno de The Cambridge Urban History of Europe (publicado pela Cambridge University Press, em 2025).
Painel 1 – Mulheres na Revolução
Moderação: Maria Dávila
João Esteves - As Mulheres de Outubro de 1910
Resumo: Ofuscadas durante décadas, apenas tardiamente algumas das protagonistas femininas começaram a receber o devido reconhecimento. Feministas, pacifistas, maçónicas, republicanas e sufragistas que se destacaram no contexto da Revolução de Outubro de 1910 viram as suas contribuições silenciadas, desvalorizadas, deturpadas e marginalizadas, como se não fizessem parte do processo histórico. A temática “As Mulheres e a República” ganhou relevância durante as comemorações do Centenário da sua implantação, permitindo uma nova perspetiva sobre o passado. Figuras como Adelaide Cabete e Carolina Beatriz Ângelo emergem como exemplos de “revolucionárias”, obreiras das bandeiras desfraldadas aquando da Revolução. Carolina é também celebrada como uma heroína sufragista, ao enfrentar a lei e conseguir votar. Revelam-se centenas de protagonistas republicanas a nível local, vislumbra-se um associativismo forte e diversificado, construído na primeira década do século XX, enquanto muitas mulheres continuam anónimas. Houve, de facto, mulheres na Revolução de Outubro. Contribuíram para que ela se tornasse realidade – antes, durante e depois. Pensaram, debateram, denunciaram, organizaram-se, atuaram, peticionaram e apresentaram caminhos. Romperam a esfera privada e imiscuíram-se no espaço público. Estiveram nas ruas em nome da República, pela República e a celebrar a República, sem abdicarem da luta pelos seus próprios direitos. Destacou-se um núcleo burguês, urbano e letrado que, nos últimos anos da Monarquia, fortaleceu o movimento feminista e aderiu ao republicanismo, quando se prenunciava um novo regime, associando o combate político às suas reivindicações. Escritoras, professoras, educadoras, médicas, jornalistas e publicistas organizaram-se e assumiram o combate. Mas terão sido as únicas? E as operárias? E as mulheres do povo? Mobilizaram-se? Fizeram-se ouvir? Sentiram-se representadas?
Breve CV: Professor e investigador independente. Licenciado em História pela FL-UL (1983) e Mestre em História dos Séculos XIX e XX pela FCSH - UNL (1988). Autor de trabalhos, artigos, comunicações e conferências sobre o associativismo pacifista, feminista, maçónico, republicano e antifascista das mulheres portuguesas na primeira metade do século XX. Colaborou em dicionários, foi Comissário Científico da Exposição “Carolina Beatriz Ângelo – Intersecção dos sentidos. Palavras, Atos e Imagens”, organizada pelo Museu da Guarda (2010), e continua a integrar projetos de investigação. Participou na New History of Iberian Feminisms (2018, 2021), sob a direção de Roberta Lee Johnson e Silvia Bermúdez.
Pedro Urbano - As mulheres na contra-revolução: as insurreições de Trás-os-Montes contra a outorga da Carta Constitucional de 1826
Resumo: A outorga da Carta Constitucional em 1826 por D. Pedro IV não foi um momento pacífico na história de Portugal. As facções absolutistas opuseram-se de forma significativa à nova situação política do reino, procedendo a um conjunto de sublevações, em especial no norte do país, inserindo-se num movimento revolucionário mais amplo, que durou durante a difícil implantação do liberalismo em Portugal (1820-1834). Embora devidamente estudados pela historiografia dos últimos anos, pouca atenção tem sido dada à participação das mulheres nestes movimentos insurreccionais. Na verdade, a oposição à Carta Constitucional naquela região teve como principal paladina a marquesa de Chaves, Francisca Xavier Teles da Silva (1795-1845), membro da alta aristocracia de corte e dama da rainha. Foi neste processo contra-revolucionário acolitada pela tia de seu marido, a viscondessa de Canelas, Maria Amália Pamplona Barreto de Miranda (1770-1837), pertencente à fidalguia do norte do país, conseguindo ambas arregimentar em seu torno a população rural daquele território, inclusive mulheres, como dá conta a imprensa da época, sublevando as então vilas de Vila Real e Chaves. Nesta comunicação pretendemos analisar a acção destas intervenientes no processo histórico. Arredadas da participação política institucional, que estratégias estas mulheres, desenvolveram para levar a cabo estas sublevações, ainda que debeladas pelas tropas constitucionais? A análise destas acções permitirá fornecer uma perspectiva da participação das mulheres nas revoluções e oferecer uma compreensão do seu papel como agentes activos nos acontecimentos político do seu tempo, tantas vezes omissas nas narrativas historiográficas.
Breve CV: Investigador Integrado do IHC - NOVA FCSH, Doutorado em Ciências Históricas pela NOVA FCSH em 2014, ano em que venceu a 23a edição do Prémio Victor de Sá (UMinho), com a tese "Nos bastidores da Corte: O Rei e a Casa Real na Crise da Monarquia – 1889-1908", financiada pela FCT. Desde 2019 desenvolve o projecto CEEC Women (e)go: nineteenth century Portuguese female self-writing, tendo recentemente publicado o Diário da Marquesa de Fronteira e diversos artigos sobre diversas mulheres oitocentistas a partir da sua produção escrita.
Carolina Goetten de Lima - Música, política, performance: Rap feminino senegalês em contexto de golpe de Estado
Resumo: A apresentação considera possíveis nuances da performance no trabalho de mulheres artistas do rap senegalês, no contexto do golpe antidemocrático ocorrido em Senegal em fevereiro de 2024 e manifestações nas ruas. Serão abordados os resultados do trabalho de campo com duração de dois meses em Dacar, no Senegal. O início do intercâmbio coincidiu com a data do golpe político antidemocrático do então presidente Macky Sall, que adiou as eleições de fevereiro para outubro de 2024, quando passaria a exercer seu cargo de forma anticonstitucional, uma vez que o mandato deveria terminar em fevereiro. Durante os dois meses em campo, o trabalho de pesquisa permitiu presenciar manifestações nas ruas, quando a mídia internacional noticiou episódios violentos de repressão do exército. Também foi possível acompanhar o envolvimento das artistas do rap senegalês no embate. Quatro artistas são investigadas neste trabalho como objetos de estudo: as rappers senegalesas Moonaya, Mina La Voilèe, Sister LB e a dupla de cantoras Def Mama Def. O rap é forma musical que possui preocupações típicas das artes comprometidas e ativistas. Embora majoritariamente masculino, tanto no Senegal quanto em outros países no mundo, a música rap recebe adesão de mulheres. A observação de múltiplas travessias criativas na arte rap, enquanto ativismo, justifica a escolha da pesquisa em estética musical à luz das contribuições da arte de performance. Uma vez que o espaço público sofre uma investida antidemocrática, a atuação do rap feminino enquanto arte de rua é aqui estudado como uma possibilidade da arte como enfrentamento. Enquanto outras pessoas sentiam medo da repressão e da violência policial, as artistas davam entrevistas, faziam shows, posicionavam-se abertamente e expressavam ideias democráticas: isso é performance. A confluência de estéticas visuais, tais como videoclipes, dança, cultura, tecidos, design e moda é analisada enquanto complemento à forma musical do rap ativista.
Breve CV: Carolina Goetten é doutoranda em História da Arte na Universidade de São Paulo, mestre em Literatura pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná e jornalista formada pela Universidade Federal do Paraná. É escritora dos gêneros terror, ficção científica e poesia. Dedica-se ao estudo das artes contemporâneas africanas com enfoque no rap feminino senegalês.
Painel 2 – Rebeliões e Elites
Moderação: Ricardo Brito
Raquel Oliveira Martins; Arnaldo Sousa Melo - Reflexões sobre a construção do discurso político das elites concelhias nos finais da Idade Média: a utilização do conceito de povo na legitimação de uma retórica de poder
Resumo: Partindo de binómios como dominação e subordinação, e dominação e “emancipação”, desenvolvidos por Hannah Arendt, procura-se, neste trabalho, analisar a lógica argumentativa da legitimação e discurso político das elites concelhias em Portugal, nos séculos XIV e XV. Em particular, procura-se averiguar e examinar a utilização do vocábulo povo, pelas elites concelhias, na justificação de lógicas e legitimação do exercício de poder, nomeadamente com que aceções ou significados se utiliza esse vocábulo, utilizado por quem e aplicado a que grupos? Simultaneamente, pretende-se registar as adjetivações associadas à utilização da palavra povo, negativas ou positivas, na perspetiva de lógica argumentativa de legitimação do exercício de poder. O estudo, baseado também numa metodologia de análise de discurso, terá como fontes principais documentos concelhios, como atas de vereação e posturas municipais, mas também capítulos de cortes e crónicas, em particular de Fernão Lopes.
Breve CV: ARNALDO RUI AZEVEDO DE SOUSA MELO. Professor Associado com Agregação de História Medieval / Assistant Professor with Agregação (habilitation), do Departamento de História, ICS, da Universidade do Minho; Investigador do Lab2PT (Laboratório de Paisagens, Património e Território), financiado pela FCT, da Universidade do Minho, e do IN2PAST. Concluiu o Título de Agregado em 2017 pela Universidade do Minho Instituto de Ciências Sociais, Doutoramento em História da Idade Média em 2009 pela Universidade do Minho Instituto de Ciências Sociais; Docteur Histoire et Civilisations - École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris, em 2009.
Sandra Raquel da Silva Oliveira Martins. Participa e/ou participou como Investigador em 1 projeto(s). No seu currículo Ciência Vitae os termos mais frequentes na contextualização da produção científica, tecnológica e artístico-cultural são: Braga medieval; senhorio; conflitos urbanos; violência política; poder político; Humanidades::História e Arqueologia; Mercado imobiliário medieval; Braga; Políticas urbanas concelhias; Urbanização
Murillo Dias Winter - Um vulcão anárquico: circulação de experiências revolucionárias e a formação de uma experiência insurgente no Brasil (1817-1850)
Resumo: O objetivo deste trabalho é analisar os processos que levaram à emergência do Brasil como um corpo político autônomo e sua estruturação como Estado nacional na primeira metade do século XIX através das revoltas, motins e guerras civis. Busco investigar as conexões e relações mútuas entre as capitanias/províncias da Bahia, Cisplatina, Grão-Pará, Pernambuco e Rio Grande do Sul, entre 1817 e 1850, através dos movimentos de contestação política e revolta que ocorreram nessas regiões. Apresento a hipótese de que, ao se unirem em função desses movimentos de revolta, grupos atuantes nessas localidades, caracterizadas por convulsões sociais, compartilharam vivências e lições, criando um espaço comum e uma linguagem compartilhada que contribuíram para a construção do Estado e da nação no Brasil. Este trabalho explora as transformações ocorridas nesses locais e como os atores contemporâneos tentaram atribuir significado a essas mudanças, assim como suas ações e representações políticas. Em vez de apresentar uma série de histórias regionais distintas e isoladas, busco mostrar como esses espaços responderam conjuntamente às tendências atlânticas da Era das Revoluções, desempenhando, assim, um papel fundamental no processo de construção do Estado e da nação brasileira, além de sua inserção em um amplo processo de transformação. Entendo, portanto, que o que aconteceu em um lugar influenciou e moldou o que ocorreria em outro. Considero não apenas as variadas formas e intensidades de interação, muitas delas decorrentes do avanço territorial do capitalismo e da inserção do Brasil em uma economia-mundo, mas, principalmente, como esses eventos e processos, ocorridos em diferentes espaços e tempos, se conectaram concretamente, foram modificados e, dessa maneira, ajudaram a criar, a partir da diversidade, uma experiência histórica específica — uma experiência insurgente. Para isso, utilizo diversas fontes, como imprensa, correspondências e processos judiciais.
Breve CV: Professor na graduação em História e no Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS). Foi pesquisador de Pós-doutorado na Universidade de São Paulo (USP) com bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Doutor em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com doutorado sanduíche (PDSE/Capes) na Universidade do País Basco (Espanha) no Proyecto Iberoamericano de Historia Conceptual (IBERCONCEPTOS). Pesquisa o desenvolvimento da modernidade política no mundo ibero-americano, especialmente os processos de independência e de construção do Estado, história dos conceitos, guerras, revoltas e experiência do tempo.
Luisa Rauter Pereira - A mobilização popular como “acontecimento” na historiografia oitocentista: o "11 de janeiro de 1822" e a interpretação do processo de Independência no Brasil
Resumo: O artigo investiga como o discurso histórico brasileiro do século XIX narrou um acontecimento específico do processo de Independência do Brasil: um episódio ocorrido em janeiro de 1822, quando dez mil pessoas de diversas origens sociais e raciais se reuniram na praça do Campo de Santana, no Rio de Janeiro, para enfrentar os portugueses que pretendiam levar o Príncipe Regente D. Pedro de volta a Portugal para ser submetido ao governo revolucionário. Embora de grande importância, este evento de ativismo e mobilização popular foi pouco tematizado pelos historiadores de então, o que explica em parte quão frágil foi a sua incorporação na cultura histórica e cívica do país. O artigo busca, por meio desse exercício de análise da história da historiografia e de reflexões de caráter teórico, compreender a emergência de um novo conceito de acontecimento histórico adequado ao momento de modernização política e ao novo campo historiográfico em seus diversos graus de disciplinarização.
Breve CV: Doutora em Ciência Política. Professora do Departamento de História da Universidade Federal de Ouro Preto, atuando nas áreas de história da historiografia brasileira, teoria da história e história das linguagens e conceitos políticos. Integrante do Iberconceptos: Protesto y red de investigacion en historia conceptual comparada del mundo iberoamericano.
Ewelina Tarkowska - Le soulèvement de Novembre 1830 et son importance pour la nation polonaise
Resumo: Depuis 1795, la Pologne independante n’existait pas et les Polonais devaient se contenter de libertés mineures au sein du Royaume de Pologne sous le règne du tsar russe. Le soulèvement qui éclata à Varsovie le 29 novembre 1830 fut au début une rébellion de jeunes militaires contre la répression des autorités russes dans le Royaume de Pologne. Cela s’est ensuite transformé en une guerre polono-russe qui a duré près d’un an. Le soulèvement de Novembre a montré que les Polonais étaient toujours prêts à se battre pour leur liberté. Après la défaite, l'élite intellectuelle (représentée par des hommes politiques, des officiers supérieurs et des artistes) ainsi que des officiers inférieurs et des soldats, se sont exilés, principalement en France. Paris devient le centre de la culture polonaise, symbolisé par la Bibliothèque Polonaise, fondée en 1838. Il faut noter que c'est à Paris que notre épopée nationale « Pan Tadeusz » a été écrite par Adam Mickiewicz. Les Polonais étaient également prêts à poursuivre la lutte armée tant à l’extérieur du pays que sur le territoire polonais. L'idée de créer une légion polonaise aux côtés de l'armée d'un pays bienveillant en état de guerre était très populaire parmi les émigrés, afin de marquer constamment la présence de la nation polonaise sur la scène internationale. Le projet de créer une légion polonaise au Portugal en 1833 est un très bon exemple. Sur le territoire polonais, le soulèvement de Janvier en 1863 fut un grand effort de la nation (non seulement des élites, mais aussi d’autres groupes sociaux) dans des conditions de forte répression. Malgré l’absence d’un État polonais au XIXe siècle, la nation polonaise a survécu et enfin en 1918 la Pologne a pu renaître.
Breve CV: Dr Ewelina Tarkowska – elle a soutenu sa thèse de doctorat intutilée : « « La Grande Emigration en France. Les Polonais dans le département breton des Côtes-du-Nord » en 2019 à l'Université de Warmie et Mazurie à Olsztyn en Pologne. Sa thèse a été publiée en 2022. Elle est l'auteur de plusieurs articles, principalement sur l'émigration polonaise en France après la chute de l'Insurrection de Novembre 1830. Actuellement, elle est interessée par l'émigration polonaise du XIXe siècle au Portugal initiées en 1833. En octobre 2022, elle a fait des recherches à l'Arquivo Histórico Militar à Lisbonne.
Painel 3 – A Revolução na Cultura Visual
Moderação: Daniel Alves
Marcelo Isamu Takatsu Morikawa - A Agência Mural e o consumo noticioso da juventude periférica na Grande São Paulo
Resumo: Na América Latina, os jovens representam um dos setores mais vulneráveis ao empobrecimento e são visíveis para as autoridades apenas em função dos problemas que representam, tendo poucas alternativas de inserção econômica (Reguillo, 2003). Nesse contexto, eles são os primeiros afetados pelas mudanças sociais contemporâneas, como os níveis de empregabilidade, sobretudo os periféricos. A definição de periferia, aliás, como região urbana com pouco acesso a serviços, e onde vive a população de baixa renda, se estende além da distância geográfica do centro, compreendendo também a ideia de exclusão social e de poder (Vitali, 2022). Essas comunidades são frequentemente retratadas de maneira preconceituosa na imprensa, o que tem instigado um movimento de valorização das periferias por meio de manifestações culturais e coletivos (Rovida, 2021). O surgimento de mídias comunitárias, voltadas a uma perspectiva das periferias, mostra a importância da comunicação nesse processo. A presente pesquisa tem como objetivo geral identificar de que maneira os jovens periféricos leitores da Agência Mural, um veículo de jornalismo alternativo brasileiro oriundo da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), consomem conteúdo noticioso sobre as periferias e quais sentidos são construídos no processo. Enquanto objetivos específicos, pretende-se compreender as rotinas de consumo midiático desses jovens e investigar a possível influência que a Agência tem na forma com a qual o seu público jovem enxerga as periferias. O método adotado foi a entrevista em profundidade (Duarte, 2009) com 9 participantes, a fim de analisar as visões de mundo desses jovens. A pesquisa se justifica pela necessidade de investigar a juventude a partir do território geográfico e cultural em que os jovens residem, compreendendo de que modo essa vivência interfere em suas percepções sobre os meios de comunicação, notadamente os veículos contra-hegemônicos.
Breve CV: Marcelo Isamu Takatsu Morikawa é discente de mestrado e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Linguagens, Mídia e Arte, da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Possui graduação em Engenharia de Produção pela Universidade Estadual de Campinas (2013). Suas principais áreas de interesse e atuação são o jornalismo alternativo, os estudos das juventudes e as periferias urbanas da América Latina.
Matilde Martim Pires Dias - Revoluções Pré-Revolucionárias: Diálogos entre The Hand (1965) e Kyiv Frescoes (1966)
Resumo: A comunicação “Revoluções Pré-Revolucionárias: Diálogos entre The Hand (1965) e Kyiv Frescoes (1966)” foca-se numa comparação entre duas curtas-metragens – “The Hand” de Jiří Trnka e “Kyiv Frescoes” de Sergei Parajanov - que representam, de forma poética e simbólica, a opressão e resistência dos povos checoslovaco e ucraniano, em contexto soviético. Ambas as obras não só foram altamente censuradas, como antecederam manifestações revolucionárias ainda por nascer, como os setes meses de libertação da Primavera de Praga, em 1968, e os movimentos de dissidência ucraniana entre os anos 60 e 80, dos mais prevalentes face aos restantes estados soviéticos. Em “The Hand”, Trnka usa a alegoria da mão autoritária para simbolizar o controlo opressivo do Estado sobre a liberdade artística. O protagonista, um humilde artesão que cria vasos de flores, é constantemente assediado por uma mão gigante que exige a criação de uma escultura ideológica. A curta converte-se num retrato contundente do ambiente político que culminaria na Primavera de Praga. Até à dissolução da União Soviética, em 1991, a exibição daquele que seria o último filme realizado por Trnka foi proibida. Por sua vez, “Kyiv Frescoes” é um grito visual de liberdade, servindo-se de uma linguagem cinematográfica altamente simbólica e fragmentada. Parajanov transforma uma encomenda do governo soviético ucraniano, no âmbito da celebração do 20.º aniversário da Grande Guerra Patriótica, numa ode à memória e identidade, expondo as verdadeiras mazelas deixadas pela guerra. Restam apenas 15 minutos destas imagens oníricas e simbólicas, fruto da censura que quase destruiu o trabalho. Trnka e Parajanov criaram atos de resistência antecipados, que demonstram como o cinema pode ser uma ferramenta poderosa de subversão. No fundo, The Hand e Kyiv Frescoes representam alegoricamente o futuro desejado pelos países que retrataram, provando como pequenos gestos abrem caminho a grandes transformações sociopolíticas.
Breve CV: Natural de Lisboa, Matilde Dias é doutoranda em Ciências da Comunicação na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e assistente de realização na produtora de cinema Cabiria Productions. Nos tempos livres, pensa sobre arte através da escrita em plataformas como o Público – P3, participa em projetos de investigação nas áreas do cinema e música e dá os seus pareceres sobre sétima arte, através do coletivo Bons Malandros do Cinema Fernando Lopes.
Jordi Roca Vernet - La profusión de banderas en las imágenes de la movilización revolucionaria en la España del Sexenio Democrático (1868-1874)
Resumo: Las banderas se consolidaron como un elemento central en la representación de las movilizaciones revolucionarias durante el Sexenio Democrático (1868-1874). Estos objetos no solo simbolizaban las demandas colectivas, sino que también articulaban una multiplicidad de identidades —regionales, nacionales y transnacionales—, convirtiéndose en un eje clave de las culturas políticas de la época. Este estudio explora cómo las imágenes de estas movilizaciones, publicadas en la prensa ilustrada española, inglesa y francesa, reflejaron las tensiones y hegemonías culturales de un período de intensa transformación política. A través del análisis de las representaciones visuales en ciudades como Barcelona, Madrid, Málaga, Valencia y Zaragoza, se examina cómo las banderas, con sus mensajes inscritos, definían tanto las demandas políticas como las emociones colectivas asociadas a los movimientos populares. La investigación plantea que, aunque las publicaciones periódicas ilustradas carecían de un posicionamiento político explícito en sus contenidos visuales, las imágenes de movilizaciones proyectaban de manera implícita la hegemonía de determinadas culturas políticas, especialmente la republicana. Demandas como la abolición de las quintas o la libertad de cultos fueron representadas como parte de esta narrativa visual, reforzando su asociación con la movilización republicana. Además, el estudio destaca el papel de artistas como los hermanos Tomàs y Ramon Padró o Josep Lluís Pellicer, quienes no solo ilustraron estas movilizaciones, sino que también se convirtieron en creadores de opinión a través de sus grabados. Estas imágenes, cargadas de significados complejos, contribuyen a una comprensión más profunda de las demandas sociales y culturales que estructuraron la movilización colectiva del periodo. La investigación, por tanto, ofrece nuevas perspectivas sobre el poder visual como herramienta de comunicación política en la España del siglo XIX.
Breve CV: Profesor Agregado Serra Hunter en la Universitat de Barcelona. Premio Extraordinario de Doctorado por la Universitat Autònoma de Barcelona. Ha sido investigador posdoctoral en University of Warwick y Universidad Rovira i Virgili. Ha publicado una veintena de artículos en revistas de investigación y medio centenar de capítulos de libro en editoriales nacionales e internacionales. Ha publicado dos monografías: Barcelona revolucionària i liberal: exaltats, milicians i conspiradors (2011) y Tradició constitucional i història nacional (1808-1823). Llegat i Projecció política d’una familia catalana: els Papiol (2011). También ha publicado, con Nuria Miquel, La Bullanga de Barcelona: La ciutat en flames. 25 de julio de 1835 (2021) y ha sido el editor del libro La República a Barcelona de Miquel González i Sugranyes 1873-1874 (2023).
Painel 4 – Revolução e Anti-Imperialismo I
Moderação: Cláudia Castelo
José Miguel Ferreira - ‘Brancos’ e ‘canarins’: identidade, raça e política em Goa na ‘Era das Revoluções’
Resumo: No dia 10 de janeiro de 1835, poucos meses depois do final da guerra civil portuguesa, o médico liberal Bernardo Peres da Silva desembarcou na colónia portuguesa de Goa para assumir o cargo de prefeito do Estado da Índia. Brâmane católico, nascido a poucos quilómetros da cidade de Velha Goa, Peres foi o primeiro e único goês a ocupar o cargo cimeiro do governo colonial. Duas semanas mais tarde, no entanto, foi deposto por uma revolta militar liderada por oficiais portugueses e luso-descendentes, que o acusavam de ser um «implacável inimigo dos brancos» e de pretender a independência de Goa seguindo o exemplo recente do Brasil. A deposição de Bernardo Peres da Silva foi o ponto culminante de um processo de intensa conflituosidade política em Goa, que se arrastou entre o final do século XVIII e as primeiras décadas do século XIX, intersectando o período frequentemente designado pela historiografia como ‘Era das Revoluções’. No entanto, embora alguns estudos recentes tenham procurado situar as colónias portuguesas na Ásia no campo mais vasto dos movimentos revolucionários e contrarrevolucionários deste período, a forma como estes conflitos contribuíram para a reconceptualização das identidades raciais permanece por explorar. Tomando como ponto de partida os panfletos, manifestos e memórias publicados durante estas conturbadas décadas, esta comunicação procura examinar como a disseminação de ideias de cidadania e integração foi acompanhada pela mobilização, em diferentes momentos e por diferentes atores, de categorias raciais como arma política.
Breve CV: José Miguel Moura Ferreira é licenciado em História (NOVA FCSH, 2009) e mestre em História Moderna (NOVA FCSH, 2011). Concluiu o doutoramento em História no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-ULisboa) em 2021, no âmbito do programa interuniversitário PIUDHist, com uma tese dedicada à história ambiental do colonialismo português em Goa na época contemporânea. Atualmente é investigador de pós-doutoramento no Instituto de História Contemporânea (IHC NOVA FCSH / IN2PAST) e um dos editores da revista Práticas da História. Journal on Theory, Historiography and Uses of the Past.
Artur Martins; João Costa; Mário Sequeira - Rebelião Boxer – uma revolta contra a Cristandade, o Imperialismo e o Ocidente
Resumo: A Rebelião dos Boxers constituiu um processo determinante na história da dinastia Qing e no reforço da ingerência estrangeira na China. A figura do Boxer representou a ira de diversas camadas populares da sociedade chinesa contra a exploração imperialista e o processo de ocidentalização em curso do Império. Durante os anos finais de oitocentos e inícios de novecentos, os Boxers procuraram expulsar todos os elementos que considerassem catalisadores da influência ocidental no seu país. Neste sentido, os principais alvos da violência Boxer eram empresários, missionários, trabalhadores ferroviários e chineses cristãos. O principal alvo dos Boxers era, no entanto, Beijing, por aí estarem situadas as Legações estrangeiras, um dos símbolos máximos da ingerência estrangeira no Império Qing. A revolta, mesmo sendo esmagada por uma aliança entre as principais potências com interesse na China, deixou marcas fortes de violência, mas também de combate ideológico e cultural. A nossa proposta incide na figura do Boxer, o elemento marcadamente popular e a sua posição entre a China Qing e as potências imperialistas neste conflito na transição para o Século XX. Vistos por uns como revolucionários que procuravam expulsar o estrangeiro colonizador e explorador, como outros reacionários que lutavam contra o progresso tecnológico e cultural na China, são estes os principais personagens deste processo histórico e que, por muitas vezes, ficam para segundo plano quando se aborda estas matérias. Pretendemos, portanto, focar na ação, objetivos e motivações dos Boxers.
Breve CV: Artur Martins: Licenciado em História na NOVA FCSH; Atualmente mestrando em História Militar na FLUL; João Costa: Licenciado em História na NOVA FCSH; Atualmente mestrando em Políticas Públicas no ISCTE; Mário Sequeira: Licenciado em História na NOVA FCSH; Atualmente mestrando em História, vertente em História Contemporânea, na NOVA FCSH.
Alisson Eugênio - Circulação de ideais revolucionários entre Portugal e Brasil durante a Revolução Liberal do Porto: o combate ao tráfico de escravos
Resumo: Durante a Revolução Liberal do Porto uma entidade abolicionista inglesa (African Institute) patrocinou a tradução de um libelo antiescravista espanhol para a língua portuguesa, a fim de circular entre os deputados da assembleia constituinte eleita em 1821, com o objetivo de promover ideais abolicionistas e, com isso, tentar influenciá-los a extinguir o tráfico de escravos para o Brasil e iniciar o processo da abolição da escravidão. A comunicação proposta visa analisar os argumentos revolucionários da obra traduzida e explicar à luz do contexto histórico revolucionário inaugurado pela revolução norte-americana e francesa e seus impactos no Império português.
Breve CV: Professor de história na Universidade Federal de Alfenas desde 2009. Graduado em História pela Universidade Federal de Ouro Preto (1996) mestre em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2000), doutor em história econômica pela Universidade de São Paulo (2008) e pós-doutor pela UFMG (2010). Autor de diversas obras, entre elas Lágrimas de sangue: a saúde dos escravos no Brasil da época de Palmares à Abolição (Alameda: 2016) e Horizontes da nação: desafios brasileiros após 200 anos de Independência. Alfenas, Universidade Federal de Alfenas, 2022.
Painel 5 – A Revolução vista de baixo
Moderação: Marco Alexandre Ribeiro
Ana Maria S. A. Rodrigues - As "comoções" populares na revolução de 1383-1385
Resumo: Fernão Lopes é, na opinião de muitos historiadores e estudiosos da literatura, o primeiro dos cronistas medievais (e também um dos poucos) a retratar de forma viva e empática as classes populares nos seus escritos, mesmo nos momentos de efervescência revolucionária. No entanto, não podemos esquecer que ele pertencia às elites letradas do reino e escreveu a mando do filho daquele em benefício de quem a revolução de 1383-1385 foi feita, tendo as suas crónicas o objetivo de legitimar a dinastia saída dessa mesma revolução. Nesta comunicação, iremos destacar os episódios da sua Crónica de D. João I que relatam a atuação das massas populares, em Lisboa e noutras cidades e vilas do reino, contra a rainha Leonor Teles e os seus apoiantes e, inversamente, em apoio do mestre de Avis. Através de uma minuciosa análise das palavras proferidas, dos gestos feitos, dos sons emitidos por pessoas individuais ou pelas multidões em movimento, nos dizeres do cronista, assim como dos termos usados por ele para caracterizar esses mesmos atos e personagens, queremos contribuir para esse campo de estudos relativamente recente que é o das emoções, em particular as coletivas. Pretendemos, pois, estudar de que forma e com que objetivos as emoções coletivas são desencadeadas e geram ações populares violentas ou celebrativas, que o cronista descreve e julga com os referentes culturais e as ferramentas intelectuais de que dispõe.
Breve CV: Licenciada e Mestre em História Medieval pela Sorbonne Université, doutorou-se e fez a Agregação na Universidade do Minho, onde lecionou durante duas décadas. Foi também coordenadora adjunta da Comissão Nacional para a Comemoração dos Descobrimentos Portugueses, em 1999-2002. De 2002 a 2024 foi Professora Associada com Agregação da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e membro do respetivo Centro de História. Encontra-se atualmente aposentada. Tem-se dedicado, nos anos mais recentes, ao estudo da monarquia e da sociedade cortesã, em especial da sua componente feminina.
André Caracol Teixeira - Revolução nacional ou golpe palaciano? O lugar do povo na Restauração de 1640
Resumo: A Restauração portuguesa de 1640 foi umas vezes apresentada como uma revolução nacional em torno do rei pátrio. Outras vezes, porém, assumiram-se explicações centradas nas elites, sendo a Restauração encarada como um golpe palaciano a que o povo foi totalmente alheio. Com esta comunicação, propomo-nos a revisitar as fontes sobre este acontecimento, com o objetivo de tentar definir o papel do povo no afastamento de Filipe IV e na aclamação do duque de Bragança. Para isso, vamos partir não apenas das fontes mais clássicas, como a História de Portugal Restaurado, do conde da Ericeira, ou a Restauração de Portugal Prodigiosa, atribuída a João de Vasconcelos (mas assinada Gregório de Almeida); mas também de textos menos conhecidos, como o diário de Diogo Marchão Temudo, que se conserva na Biblioteca da Ajuda (BA, 52-VIII-45), e que dá a conhecer uma visão mais abrangente das reações do povo de Lisboa. A ideia é responder a uma pergunta pertinente para uma deposição no século XVII: numa revolta das elites, onde está o povo?
Breve CV: André Caracol Teixeira é licenciado e mestre em História na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e doutorando na mesma instituição, com um projeto de doutoramento intitulado "A imagem do rei no Portugal restaurado: de D. João IV a D. Pedro II". As suas áreas de interesse são a cultura política moderna e a receção da antiguidade na época moderna.
João Victor Ribeiro Pires - As Invasões Francesas vistas de baixo: uma análise a partir do bairro do Mocambo e dos marinheiros
Resumo: Esta comunicação pretende apresentar uma nova proposta de análise das Invasões Francesas em Portugal. Trata-se de um período excessivamente estudado, já tendo passado por duas celebrações marcantes (centenário, entre 1907 e 1910, e bicentenário, entre 2007 e 2010), mas que ainda expõe uma lacuna historiográfica importante. A experiência das classes populares diante da grande crise instalada durante a guerra contra os franceses permanece pouco estudada. Pretendemos analisar os impactos das Invasões nas classes populares que permaneceram em Lisboa durante o período. Para tal, lançaremos mão de alguns resultados iniciais de uma investigação realizada nos documentos das Correições Crime dos Bairros de Lisboa e das correspondências entre o intendente e os corregedores, existentes no Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT). Os dados relativos aos crimes e prisões em Lisboa entre 1808 e 1810 indicam que o bairro do Mocambo, historicamente um espaço de concentração das classes populares, representou um dos núcleos das reações do Povo em Lisboa. Impactados não só pelos efeitos gerais da crise, mas também pelos bloqueios marítimos, os trabalhadores associados às atividades marítimas destacam-se na documentação criminal da época, num cenário em que se entende o crime como uma das formas de reagir à fome e à precariedade instalada. Esse fenómeno associa-se a uma historiografia internacional que defende a existência de uma lógica de resistência vinda de baixo no mundo marítimo na Época Moderna. A partir destes resultados iniciais, pretende-se com esta comunicação mostrar o caminho que a investigação está a traçar à procura de uma análise mais completa da experiência popular em Lisboa durante um dos períodos mais críticos da capital portuguesa, tentando mostrar também como pensavam e agiam as camadas subalternas no apagar das luzes do Antigo Regime.
Breve CV: Doutorando em História Moderna e Contemporânea pelo ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa, mestre em História Moderna e Contemporânea pela mesma instituição. Investiga atualmente o impacto das Invasões Francesas no quotidiano das camadas populares de Lisboa no princípio do século XIX. Também tem investigações sobre a imprensa do Brasil oitocentista e a sua relação com a sociedade da época.
Pep Rueda Sabala - La bullangas de Barcelona (1835-1837): espacios de socialización política popular para la insurrección
Resumo: La historiografía social y cultural de la política ha introducido, en la investigación relativa al proceso de politización popular, el estudio de la socialización política de los sectores populares. Este concepto, aterrizado en España en la década de 1990, ha sido aplicado a diferentes ámbitos, aprovechando su carácter inconcreto y poliédrico para estudiar el complejo proceso de aprendizaje político de los individuos. Actualmente, a razón de la maleabilidad de los planteamientos pioneros de Maurice Agulhon, la historiografía contempla una multiplicidad de espacios susceptibles de introducir a los individuos en la política. Desde lo común y cotidiano hasta lo excepcional e inusitado, lugares como el hogar y el trabajo, las fiestas y la guerra, así como la música y la imagen, se consideran productores de una cultura política que identifica y configura como colectivo político a los sectores populares. El objetivo de esta comunicación es emplear este instrumental teórico para analizar las insurrecciones populares, conocidas como Bullangas, que se sucedieron en Barcelona entre 1835 y 1837. De carácter anticlerical, antifiscal, críticos con el carlismo y proto-luditas, estos motines populares incendiaron la ciudad de Barcelona durante días y pusieron de relieve la aparición de los sectores populares como actores del marco político del Estado liberal en construcción. En línea con el planteamiento de este coloquio, esta comunicación pondrá atención en analizar los procesos, espacios y canales de circulación de las ideas que dieron forma a las Bullangas, así como su interrelación. De este modo, se estudiarán ámbitos comunes de la política (prensa, literatura filosófica), junto con espacios característicos de la política liberal (teatro, literatura novelada) y lugares de ocio politizado (música, espacio público, taberna) para dirimir su rol en la aparición de estas insurrecciones.
Breve CV: Actualmente, realizando la tesis doctoral respecto de la conformación del anticlericalismo popular en la Barcelona del primer tercio del siglo XIX desde una perspectiva que conyuga lo común y lo transnacional. Bajo dirección de Jordi Roca Vernet (UB). Ha presentado resultados en congresos: “De religioso a màrtir antiliberal: instrumentalización política de la muerte del obispo Raimon Strauch (1820-1826)”, en el II Colloque International AMAPOL, noviembre 2024, Grenoble. Así como ha publicado algún artículo: “Caricatura anticlerical en la Barcelona de las Bullangas: socialización política liberal en los albores del primer conflicto carlista (1833-1837)”, en el nº 47 de la revista Brocar.
Keynote 2 – Rabab El-Mahdi - A Gendered Perspective on Movement Sustainability: Emotions, Organization, and Class
Resumo: In thinking about the dissipation of movements, the talk argues that two binaries have stifled the understanding and advancement of this issue: one is the issue of organization versus emotions, and the other is a rivalry between gender and class as axes of differentiation. It explains how a masculinist perspective is at the core of this binary and how emotional ties and organization are key to understanding the sustainability of movements. Similarly, it challenges claims about the 'role of women' or 'affect' as monolithic class-less or post-class constructs. It shows how these assumptions distort academic understanding of movements and, more importantly, inhibit collective action in the new millennium.
Breve CV: É Professora Associada de Ciência Política na American University in Cairo (AUC) e obteve o seu doutoramento na McGill University, em Montreal, onde pesquisou o impacto da reconstrução económica neoliberal nas relações Estado-sociedade civil no Egito e na Bolívia. A sua área de especialização é em economia política comparada e desenvolvimento, com foco na América Latina e no Médio Oriente e os seus interesses de pesquisa incluem relações Estado-sociedade civil, movimentos sociais, resistência e a economia política das políticas sociais.
Painel 6 – Historiografia e Literatura
Moderação: Sérgio Campos Matos
Inês Rosa - Só lá estava o povo: William Wordsworth sobre a primeira invasão francesa
Resumo: Quando as tropas de Junot entraram em Lisboa a 30 de Novembro de 1807, a Corte portuguesa já tinha fugido para o Brasil. O príncipe-regente deixou o país sem ter estabelecido um exército, o que levou a que os franceses não tivessem enfrentado qualquer resistência. A desproporção existente entre as forças francesas e as forças portuguesas, assim como a dispersão das segundas levou a que não houvesse grande resposta em Portugal durante os primeiros meses de 1808. As primeiras revoltas, que começaram em Trás-os-Montes antes de se alastrarem ao resto do país, ocorreram apenas em Junho. Em Espanha a reação popular foi desde logo mais forte, tendo a revolta mais notável ocorrido em Madrid, enquanto a família real espanhola sobrante fugia para Baiona. Apesar de os madrilenos não terem saído vitoriosos, o levantamento de 2 de Maio levou a que o povo espanhol reagisse em massa à ocupação francesa. A resistência popular ibérica não passou despercebida aos ingleses em geral e a um autor maior do romantismo inglês em particular, William Wordsworth. O seu interesse pelos desenvolvimentos dessa resistência foi tal que o seu maior tratado em prosa, The Convention of Cintra (1809), é uma reflexão que parte deles. Parece-me que o facto de a resistência ibérica provar ideias que Wordsworth havia defendido anos antes relativamente ao papel do povo na manutenção da independência de um país o terá interessado. Mas interessa-me também explorar o modo como Wordsworth vê na revolta popular uma possibilidade de Revolução—política e moral, sobretudo—na Península Ibérica. Pretendo, assim, ver um acontecimento fulcral da história portuguesa da perspetiva de um inglês que, tal como Edmund Burke, escreveu extensivamente sobre acontecimentos que tiveram lugar num país que não o seu e os quais não testemunhou.
Breve CV: Inês Rosa é doutoranda no Programa em Teoria da Literatura na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde está a completar uma tese sobre a relação entre poesia e política na obra de William Wordsworth, com particular ênfase em The Convention of Cintra. Foi Investigadora Visitante na Universidade de Chicago, com o apoio da FLAD. Completou o mestrado em Literatura Inglesa na Universidade de Oxford. Colabora, desde 2018, com a Wordsworth Conference Foundation.
Carlo Arrigoni - Revoluções-Sem-Revolução: Multitudes em Revolta na Obra de Giovanni Verga
Resumo: A obra de Giovanni Verga, o maior romancista italiano da segunda metade do século XIX, apresenta numerosos exemplos de revoluções: da rebelião das mulheres da aldeia siciliana de Aci Trezza, descrita em I Malavoglia (Os Malavoglia, 1881), à revolta dos camponeses que aconteceu efectivamente em Bronte, em 1860, contada em Libertà (Liberdade, 1882); das revoluções de 1820 e 1848 descritas em Mastro-don Gesualdo (Mestre-Dom Gesualdo, 1889), ao motim dos mineiros em Dal tuo al mio (Do teu ao meu, 1905). Em Verga, todas as revoluções se assemelham, não só por causa de um aparato comum de imagens, mas também porque, inevitavelmente, fracassam. A minha apresentação seguirá em duas direcções. Por um lado, mostrarei como o topos da revolução falhada está ligado a uma visão crítica e desiludida do processo de unificação italiana (não muito distante da elaborada algumas décadas mais tarde por Antonio Gramsci) e da política da Itália pós-unitária, quando observada do ponto de vista das massas rurais sicilianas. Por outro lado, analisarei o modo como a representação obsessiva das multidões em revolta como força destrutiva, mas, em última análise, ineficaz, reflecte uma visão da história e da sociedade que postula a desigualdade como facto natural e que aproxima a obra de Verga da teoria das elites, elaborada em Itália na época por Gaetano Mosca e Vilfredo Pareto.
Breve CV: Carlo Arrigoni é Professor Auxiliar no Departamento de Literaturas Românicas e no Programa em Teoria da Literatura da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde também é membro do Centro de Estudos Comparatistas. É doutorado em Literatura Italiana e Comparada pela Columbia University. Precedentemente, ensinou literatura e cinema italianos na Columbia University e na University of Oklahoma. Os seus interesses incluem literatura dos séculos XIX e XX e história e teoria do romance. Está neste momento a escrever uma monografia sobre o romance naturalista europeu e americano.
João Paulo Simões Valério - O conceito de Povo e de Nação na História da República Romana de Oliveira Martins
Resumo: Joaquim Pedro de Oliveira Martins (1845-1894) foi, porventura, o historiador português que mais recorreu ao exemplo romano para caracterizar um povo. Na introdução à História da República Romana (1885), Oliveira Martins afirmava que Roma foi a primeira sociedade que concebeu uma ideia nova, a de Nação, tendo Roma se constituído como a primeira das nações da Europa Ocidental. Não obstante, o historiador português não é claro quanto ao papel do povo Romano na criação da vontade colectiva que levou ao surgimento da Nação romana. Com base nestes pressupostos, proponho, para esta comunicação, indagar sobre o conceito de Nação e de Povo na História da República Romana de Oliveira Martins. Pretendo não só reflectir sobre estes conceitos, mas também observar o entendimento que o historiador português tinha da participação dos Romanos na política da República Romana. Tenciono, deste modo, indagar acerca da visão que Oliveira Martins tinha relativamente aos comitia (“assembleias”) eleitorais e legislativos e à contio (“assembleia do povo”), proporcionando esta última assembleia uma ocasião para um magistrado se dirigir aos Romanos no foro. Esta averiguação será especialmente pertinente na análise do período respeitante ao final da República Romana que o historiador português considerava como “inorgânico” e similar ao que se vivia na Europa Ocidental do último quartel do século XIX.
Breve CV: João Paulo Simões Valério é investigador do Centro de História da Universidade de Lisboa. Defendeu, em Julho de 2024, uma tese de doutoramento intitulada “Do Ataque Político na Roma Antiga: Comentário Histórico às Filípicas de Cícero”. Os seus interesses de investigação passam pela história e política da República Romana e estudos de recepção dos Clássicos. As suas mais recentes publicações incluem: “Ciceronian Portraits in Oliveira Martins and António Roma Torres”, Images, Perceptions and Productions in and of Antiquity (Cambridge Scholars, 2023) e “Mark Antony and Octavian on the nature of Caesar’s dictatorship: A numismatic conflict” (Mnemosyne, Aceite para publicação).
João Afonso Maia da Silva - O povo enquanto sujeito revolucionário na proposta política de Oliveira Martins
Resumo: O pensamento político de Oliveira Martins (1845-1894) mereceu ampla análise e discussão ao longo do século XX. Perdida a influência e centralidade na literatura académica produzida nos dias de hoje, “regressar” à proposta de Oliveira Martins é estudar porventura o sistema de pensamento socialista (entre virtudes e defeitos) mais estruturado e marcadamente nacional do Portugal coevo. Pode no entanto ser lançada uma inquietação ao estudarmos a sua obra, a mesma que motiva esta minha intervenção – onde estão as classes populares no seu “socialismo de Estado”? Nesta comunicação, realçarei na sua obra a posição distante que a proposta martiniana reserva para a movimentação popular na transição para a sociedade socialista (que Martins, ainda influenciado pelo determinismo histórico, chega a tratar como uma inevitabilidade da evolução civilizacional, alheia à vontade e à ação dos sujeitos históricos) - o historiador rejeita os meios radicais e violentos de luta social classista (com exemplo na “Comuna de Paris” ou nas greves operárias), realçando a necessidade de uma liderança intelectual no seio do Estado (de “cima para baixo”) que oriente as massas (na sua conceção, incultas, anárquicas e sangrentas) e um amplo bloco social de apoio rumo ao socialismo, após um período transitório autoritário, “namorando” a ideia de ditadura cesarista. Enquadrarei e tentarei explicar esta posição num exercício de História Social do pensamento político martiniano, inserindo-o no quadro social, económico, político e intelectual da segunda metade do século XIX, tendo em consideração o seu percurso biográfico. Interligarei ainda a sua relação inicial com o nascente movimento operário português com a sua posição doutrinária, encontrando aí as razões para o fraco acolhimento da sua proposta política e para a erosão das hipóteses da sua aplicabilidade prática.
Breve CV: João Afonso Maia da Silva tem 25 anos, é doutorando em História (vertente Contemporânea) na Universidade Nova de Lisboa e Mestre em Ciência Política pela Universidade do Minho. Na dissertação de Mestrado (intitulada "A Obrigatoriedade do Voto e o Problema da Legitimidade - uma Análise Normativa" e avaliada em 17 valores) explorou a relação entre o instituto do voto obrigatório e as teorias da legitimidade descritivas e normativas. No Doutoramento, propõe-se a investigar o pensamento político do movimento operário português em relação à ideia de "Estado" no período contemporâneo.
Painel 7 – Revolução e Religião
Moderação: Paulo Fontes
Marta Lourenço - A secularização como impulsionadora de revolução desde a I República em Portugal
Resumo: Com esta apresentação pretende-se abordar de que forma o fenómeno da secularização, e consequentemente da laicidade, ao proporcionar alterações a nivel polito, social, económico e cultural poderá estar ancorado a formas de revolução em Portugal, sobtretudo no inicio do século XX. A questão religiosa sempre teve bastante relevância no contexto social português, mas assumiu contornos de altas porporções durante a implantação da República. De facto, podemos observar aquilo a que alguns teóricos chamam de “guerra religiosa” desde o tempo de Marquês de Pombal até à I República, tempo esse coincidente com o “desenvolvimento” da secularização, impulsionada pelos ideais da modernidade e que irá desaguar na laicidade. Neste primeiro instante observou-se um combate assertivo a companhias religiosa, sobretudo à Companhia de Jesus, depois ao acompanhar as motivações da Revolução Francesa, começou a tentativa de trazer o Iluminismo e os principos liberais para a sociedades portuguesa. Tudo isso culminou na República com movimentos e manifestações de raiz anticlerical, que foram se espalhando por todo os país, casos como o cortejo de 2 de Agosto de 1909, o caso Calmon, o caso de Sara de Matos e o das Irmãs de Caridade. Mas não apenas estes de indule mais coletiva. A revoulção também se fez notar a nivel legislativo com a Lei da Sepração das Igrejas do Estado, as alterações feitas a nivel do registo civil, e a introdução do ensino obrigatório, pela primeira vez gratuito e laico. Através destas manifestações iremos observar de que forma é que ocorrem revoluções quando o povo apoio os ideais da secularização e quando as combate.
Breve CV: Marta Lourenço, doutoranda em História e Cultura das Religiões pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, e investigadora no Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa. Neste momento estou a desenvolver a tese de doutoramento relacionada com a importância do ensino da história da religião no ensino básico em Portugal. Este trabalho é uma continuação do já desenvolvido no mestrado, com a tese Fé e razão na sociedade contemporânea ocidental, laicidade, educação e tolerância em Portugal no século XXI. Trabalho sobretudo com temáticas de história contemporânea, religião, educação, secularização e laicidade.
Edgar Silva - Luta armada e violência. Os católicos da revolução
Resumo: O recurso por parte de sectores católicos à luta armada para derrubar a ditadura de Salazar e Caetano, designadamente, nos anos de 1960 e 1970, o seu contexto internacional e as suas incidências no quadro nacional são o objeto desta proposta de exposição. Embora exista uma historiografia sobre a violência política e a luta armada em Portugal, estão por analisar e compreender os processos de radicalização política de relevantes setores católicos na opção pela luta armada contra o regime estadonovista. Uma das perguntas de partida é a seguinte: com que pressupostos e de que modo católicos em Portugal interpretaram o carácter violento da revolução, a necessidade da violência revolucionária, da insurreição armada para alterar a sociedade, mudar de política, instaurar um sistema alternativo? Houve em face da ditadura de Salazar e Caetano um ciclo de militância dos cristãos que se compreendeu como sendo da “esquerda católica”, cujos enraizamentos históricos importam ser identificados, que elaborou um discurso estruturado sobre a violência armada para o derrube da ditadura. Esses setores do catolicismo planeavam a superação revolucionária do Estado Novo por uma via que considerava indispensável a força das armas. Para a transformação da sociedade, para a resolução das desigualdades e para a edificação do “Homem Novo”, aqueles católicos inseriram-se em organizações que queriam realizar ações armadas, como estratégia e com fins políticos. Acerca daqueles “católicos da revolução” pretende-se reconhecer e contextualizar protagonistas, os seus fundamentos políticos e razões teológicas, os objetivos e resultados, formas e modalidades de funcionamento, as alianças e vinculações inerentes à luta armada. Quanto às fontes, recorreremos à utilização de documentação escrita e à utilização de testemunhos. Esta investigação privilegia a pesquisa em arquivos e a utilização da chamada história oral. Estudaremos a luta armada a partir do lugar do religioso e a intervenção política concebida por um “cristianismo revolucionário”.
Breve CV: Edgar Silva é bolseiro de pós-doutorado na UCP (Programa CADOS para o Desenvolvimento Humano Integral). Doutorou-se em História com especialização em História Contemporânea pela Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa (2023) no PIUDHIST - uma parceria entre cinco institutos de ensino superior portugueses: Instituto de Ciências Sociais e Faculdade de Letras (ambos da Universidade de Lisboa), ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, Universidade Católica Portuguesa e Universidade de Évora. Foi bolseiro de doutoramento na FCT – Fundação para a Ciência e Tecnologia (2019-2023) com a Tese sobre catolicismo social e compromisso político em Portugal (1965-1976).
Patrícia Freitas - Diálogos (im)possíveis: o povo cristão nas narrativas sobre a Revolução Portuguesa (1974-1976)
Resumo: Talvez um dos aspetos mais marcantes do processo revolucionário português esteja relacionado com a sua intensa participação popular. Num contexto em que, por vezes, o país surge divido entre o «Norte» e o «Sul», sobretudo no que diz respeito às dinâmicas político-sociais e culturais, também as narrativas sobre o processo revolucionário demonstram uma preocupação evidente em clarificar a que “lugar” pertence o povo. “Lugar” físico e geográfico, mas também cultural e ideológico. Tendo em consideração as linhas de força conflituantes que marcaram este período, nomeadamente entre a Igreja Católica, pela voz da sua hierarquia, e a mundividência comunista, propomos fazer uma análise das apropriações que são feitas do universo do povo cristão. O que se pretende é observar de que forma alguma imprensa diocesana tende a defender o seu povo dos rótulos de reacionário e despolitizado. Este discurso, que surge articulado com outra narrativa amplamente anticomunista, pretende legitimar as opções políticas dos cristãos, bem como reafirmar a importância dos seus contributos no processo de construção da democracia.
Breve CV: Licenciada em História pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. É bolseira de investigação pelo CITCEM-FLUP e mestranda em História Contemporânea nesta faculdade, encontrando-se a desenvolver uma dissertação em torno do anticomunismo católico durante o Processo Revolucionário em Curso (1974-1976).
Painel 8 – Revolução e Anti-Imperialismo II
Moderação: Ana Paula Tavares
Augusto Nascimento - Em tempos de convulsão, o “povo” entre a criatividade e o mando autocrático
Resumo: Amiúde, a alusão ao povo aparenta sustentar a legitimidade dos poderes e da organização social. Assim, são conhecidas as instrumentalizações do “povo”, ou do “nosso povo”, por demagogos e ditadores de quadrantes políticos (aparentemente) diversos. Não raro, em última instância, uns e outros deixam revelar não ter outra referência além da sua noção do povo em nome do qual falam, mas no qual mandam. Este enquadramento genérico serve de ponto de partida para a análise da uma evolução assaz comum da utilização da noção discursiva de “povo” numa sociedade – São Tomé e Príncipe –, onde, na sequência da independência devido à micro insularidade, se achou viável uma governação justa e se imaginou a construção de uma terra edénica. Nesta comunicação, comprometida com a reflexão sobre o impacto das mudanças por efeito de convulsões políticas e empiricamente apoiada no caso de São Tomé e Príncipe – onde, pelos condicionalismos históricos e pelas circunstâncias da insularidade, o povo pareceu ser, não só imaginado, mas uma realidade tangível e indiscutível –, apresentam-se as visões de povo – por exemplo, “nosso povo” e “povo pequeno” –, que, tendo servido de base de suporte a processos (pressupostamente) emancipatórios, acabaram a servir de alavanca a derivas autoritárias.
Breve CV: Investigador Principal com Agregação do Centro de História da Universidade de Lisboa. Licenciado em 1981, Mestre em 1992, Doutor em 2000 com Agregação em 2015. Leciona na Faculdade de Letras, onde coordena projeto de publicação de fontes para a História de África. Coautor e coeditor de livros e de dossiês de revistas e coautor dos livros. Autor de artigos em revistas científicas. Tem como áreas de interesse a história política contemporânea e o desporto e lazer em África. Membro da RIDLA, Rede Internacional Desporto e Lazer em África.
Tiago Seixas dos Santos - A resistência dos povos africanos ao colonialismo português na historiografia externa do século XX
Resumo: A luta dos povos africanos contra o poderio colonial português não constituiu um processo único e organizado, mas uma sucessão de movimentos, combates e resistências em espaços e épocas diversos. Desde as guerras de líderes como o célebre Gungunhana contra o invasor europeu à Guerra do Ultramar iniciada em 1961, a resistência africana adotou muitas formas. A historiografia tradicional portuguesa, em especial no período anterior ao 25 de abril de 1974, tendia a focar-se – glorificando-o – no papel dos colonizadores, os militares portugueses que combateram tais revoltas e levaram a cabo “campanhas de pacificação”. O africano ficava esquecido, representado essencialmente como o adversário que tornava necessária a força das armas portuguesas pela sua insubordinação. Quanto à produção historiográfica africana (angolana, moçambicana, guineense, etc.), naturalmente mais atenta à História dos colonizados e revoltosos, esta só se tornou possível após a Revolução de Abril e a independência das anteriores possessões coloniais. Nesta comunicação não olharemos para nenhum desses corpi, de resto já estudados, mas para as obras de historiadores estrangeiros, como Charles Boxer, Richard Hammond, Gilberto Freire e René Pélissier, entre outros ainda, procurando apreender de que forma descreveram e como representaram os múltiplos momentos de resistência africana. O interesse nestes trabalhos resulta, cremos, da sua origem “externa” ao contexto português, conduzindo não a uma apenas hipotética neutralidade, mas a uma perspetiva diversa e potencialmente interessante. Sem prejuízo da consulta de obras mais antigas, o nosso foco estará na historiografia sobre o tema produzida a partir de 1961, data em que a guerra teve início em Angola, por julgarmos que o desenrolar de um conflito independentista aquando da produção das obras ou – uma vez finda a guerra – num passado recente terá influenciado decisivamente a forma como os autores narraram e interpretaram a resistência dos povos africanos, tanto passada como presente.
Breve CV: Mestrando em História (especialidade em História contemporânea) e licenciado em História (2023) pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Investigador-bolseiro no âmbito do projeto Narrativas historiográficas externas sobre o Império colonial português (1890-1974) do Centro de História da Universidade de Lisboa (2024). Bolseiro no âmbito do projeto BODY&SOUL Representações do corpo e da alma em Portugal na Idade Média o imaginário da civilização ocidental em formação do Centro de História da Universidade de Lisboa (2024). Áreas de investigação: Historiografia; narrativas históricas; usos político-ideológicos do Passado; História cultural e das ideias.
Abdelhamid Faiz - A Land of Dissidence? Rethinking Siba in the Local Narratives of Pre-Colonial Atlantic Sahara Tribal Societies
Resumo: Through an anthropological and historical study of the term Siba (which means "dissidence" in the Hassaniya dialect) in the Atlantic Sahara during the 19th century, (The geographical area under consideration spans from the western part of Oued Noun in the north, to Saguia el-Hamra and the Senegal River in the south). This study aims to reinterpret the meaning of rebellion, disorder, and dissidence in tribal society before colonialism. The term has been extensively used in local discourse (Nawazil, historical chronicles, oral traditions) to encompass a complex and nuanced meaning. Moreover, the term has been utilized from the colonial to the post-colonial periods. Colonial ethnography employed Siba to refer to a reductive traditional dualism (Bled El Makhzen and Bled El Siba). Scholars such as Ernest Gellner, David Hart, and Charles Stewart used the concept of Siba to understand the politically marginalized conditions of tribes in segmentary societies. However, in the Atlantic Sahara, the term remains under-analyzed (with exceptions like Rahal Boubrik, Abdel Wedoud Ould Cheikh, and Yahya Ould El barra). The methodological approach focuses on interpreting the term Siba based on local discourses from fuqahaa (religious scholars), traditional historians, and customary law. It emphasizes three main aspects: the meaning of judicial vacuum in tribal contexts, including the absence of the application of legal provisions and fully legitimate religious authority in the absence of a central political power; tracing a clear conceptual boundary between related terms such as fitna (sedition), anarchy, rebellion, and dissidence; and, based on in-depth interviews, exploring how these terms are remembered and used in collective imagination today.
Breve CV: He is a Research Professor of Anthropology at the Faculty of Humanities and Social Sciences at Ibn Tofail University, Morocco. He obtained his Ph.D. in Sociology from Mohammed V University in Rabat; And a post-doctoral fellowship from the Arab Council for the Social Sciences. He has published many papers and peer-reviewed papers, and participated in many national and international seminars and conferences. Among the books he has published: War in Pastoral Societies (Saharan Studies Center 2015). His last participation was a presentation on the World Anthropological Union Congress (2024) with an untitled paper; The foreign anthropological knowledge post-colonial in Maghreb: gaps between theoretical discourse and ethnographic reality.
Painel 9 – O 25 de Abril de 1974
Moderação: Luísa Tiago de Oliveira
Angélica Vedana - “Todo futuro disputado precisa de um novo passado”: o 25 de Abril, usos da memória e novos atores sociais 50 anos depois
Resumo: O ano de 2024 foi marcado, em Portugal, pela celebração do cinquentenário da Revolução que assinalou o fim de uma ditadura que oprimiu o país por quase meio século. Na esfera pública, um vasto aparato comemorativo foi instrumento do processo de institucionalização da memória materializado em uma comissão oficial de amplas proporções, acompanhado pela multiplicação de iniciativas populares em torno do “acontecimento central da nossa contemporaneidade” (Loff, Cardina, 2024). Hoje, o 25 de abril representa um espaço de memória complexo e disputado, apropriado por diversos movimentos sociais e também enriquecido pela diversidade étnica e cultural resultante dos fluxos migratórios recentes, os quais tangenciam as comemorações, tornando-as momentos privilegiados de disputas em torno do passado e do futuro. Neste sentido, a presente proposta tem como objetivo pensar as práticas comemorativas em torno da Revolução como "lugares de memória" (Nora, 1993; Ricoeur, 2007), os quais são (re)construídos no presente por novos atores sociais que protagonizam as lutas do hoje a partir do repositório de elementos que a memória do 25 de Abril oferece. A comunicação pretende refletir sobre a apropriação e ressignificação de símbolos revolucionários e “valores de Abril” por parte de grupos ativistas (neste caso dando ênfase aos imigrantes brasileiros militantes em Lisboa), analisando a forma como esse passado e memórias são mobilizados por novos agentes sociais na contemporaneidade. O ponto de partida da proposta busca considerar como esses momentos de reativação memorial do passado podem dar voz a narrativas marginalizadas e como cada comemoração pode tornar-se um local de reconstrução de significados de um tempo pretérito. Por fim, a proposta tem como objetivo pensar a potencialidade das comemorações públicas do 25 de Abril – rituais marcados pela repetição anual – enquanto espaços temporais privilegiados para a materialização de esforços memoriais e a patrimonialização de símbolos do passado no presente.
Breve CV: Angélica Vedana é uma historiadora brasileira (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), com mestrado em Património Cultural (Universidade do Minho), onde trabalhou a memória e o património da ditadura civil-militar brasileira no espaço público de Porto Alegre. Atualmente, é investigadora de doutoramento integrada ao CRIA, no âmbito do Programa Doutoral Antropologia: Políticas e Imagens da Cultura e Museologia (Universidade NOVA de Lisboa), onde tem desenvolvido seu projeto de investigação acerca das práticas comemorativas do cinquentenário da Revolução, analisando os processos de institucionalização da memória, bem como as manifestações populares, apropriações e atualizações dos significados de Abril cinquenta anos depois.
Rui Pedro Mateus - O povo também estava em França - Emigrantes Portugueses e a Revolução dos Cravos
Resumo: Quando falamos da Revolução dos Cravos, a resposta à pergunta “E o Povo, onde está?” tende a focar-se dentro das fronteiras nacionais, nos campos, fábricas, igrejas ou quartéis. Milhares de homens e mulheres costumam ser esquecidos, ou simplificados, na historiografia sobre a revolução. Muitos emigrantes portugueses em França também se mobilizaram, organizaram, opinaram e, sobretudo, quiseram ser tidos em conta pelo “novo país” que se construía. Pretendemos, com esta apresentação, demonstrar as várias dimensões que estes sujeitos, individualmente ou organizados em coletivos e associações, pretenderam (ou recearam) mudar, e que continuidades, mudanças e roturas, discursivas e concretas, os novos governos e autoridades apresentaram aos portugueses de França, durante o período revolucionário. Começaremos por ver os aspetos relacionados com a participação direta no país, à distância. Primeiro pela procura e divulgação noticiosa que permitisse obter informação sobre o que se passava em Portugal. Em segundo lugar, através das remessas, cujo envio, além de servir para sustento dos que ficavam e poupanças de vida, ganhou uma conotação acrescida - poder contribuir para a construção do “novo” país. Depois, a questão da eleição para a Assembleia Constituinte, na qual os emigrantes também puderam votar, ainda que com restrições. Seguimos para as dimensões da vida quotidiana que os portugueses em França pretendiam ver melhoradas. Também nesse país se exigiram saneamentos e foram reivindicados mais direitos, em vários temas que foram desde a segurança social, educação dos filhos e habitação. Terminamos abordando a questão dos homens com o serviço militar irregular, assunto profundamente ligado à resolução da guerra colonial, em que muitos jovens protestaram contra o que entendiam ser uma amnistia injusta e figurou em muitas das vozes que chegavam de França até aos centros de decisão, em Portugal.
Breve CV: Rui Pedro Mateus é licenciado e mestre em História, pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. Autor da tese "Revolução à distância: emigrantes portugueses em França e a Revolução Portuguesa (1974-1975)", tem trabalhado este cruzamento temático, e discutido alguns dos seus resultados em vários congressos nacionais e internacionais.
Janaína Teles - Mulheres de Abril: A luta pelo Direito à Habitação
Resumo: Diante das diversas situações de opressão que a população enfrentava durante o período do Estado Novo, a falta do direito à moradia se somava a mais uma situação de escassez presente na sociedade portuguesa. A população especialmente das grandes cidades enfrentava situações de extrema precariedade no que permeia um direito extremamente básico, como o direito à habitação. Paralelamente ao crescente processo de urbanização, a população enfrentava um cotidiano com casas degradadas e falta de rede de esgoto. Desse modo, a indignação e insatisfação com o regime e tais condições de vida levaram o povo a uma luta que demandava soluções imediatas. Para tanto, quando falamos em povo e nos gritos que ecoavam a palavra de ordem “Casas sim, barracas não!”. É preciso perceber quem ecoava tais gritos de ordem. Assim sendo, podemos afirmar que no que se refere a classe que lutava por moradia, é facilmente reconhecido nos registros históricos que se tratava da classe trabalhadora. Mas, quando se busca compreender de maneira mais detalhada pouco se sabe sobre o papel e a relevância das mulheres que protagonizaram diversos movimentos para uma luta extremamente valiosa a classe trabalhadora. Sabemos que as mulheres foram ativas nas lutas por moradia, e a outros direitos que são concebidos na sociedade como direitos sociais. Nesse sentido, quem foram e são estas mulheres, quais desafios, e obstáculos enfrentaram em uma luta que foi fundamental no passado, mas que ainda permeia o nosso presente. Assim, esta comunicação procura nomear e recuperar algumas histórias nessa luta popular que foi também uma luta feminina.
Breve CV: Mestranda do curso de Ciências da Educação da Universidade do Porto, Janaína Teles é investigadora do projeto HERSTORY, um projeto que busca resgatar os contributos das mulheres no 25 de abril. Possui experiência como professora do ensino básico para a rede pública de ensino que teve como foco ministrar aulas para crianças e adolescentes. Dispõe de experiência com publicação de artigo na área da gestão escolar.
Keynote 3 – José Neves - Ménage a trois: a revolução, o historiador e o povo
Resumo:
Breve CV: José Neves é Professor Auxiliar no departamento de História da NOVA FCSH desde 2011. Licenciado e doutorado em História Moderna e Contemporânea pelo ISCTE-IUL, realizou o pós-doutoramento no ICS-ULisboa e foi Camões Visiting Professor no King’s College London em 2011. Entre 2011 e 2016, dirigiu a linha Cultura, Identidades e Poder do IHC e, atualmente, é Presidente da Direção do IHC e dirige a revista Práticas da História – Journal on Theory, Historiography and Uses of the Past. As suas áreas de investigação incluem a História do Portugal Contemporâneo, estudos sobre nacionalismos, teoria da história, historiografia, usos do passado, história cultural e estudos culturais.